segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

2º Capítulo de "O Coração das Sombras"


A vila era pequena e servia como ponto de abastecimento de uma linha de comboios. Poderia ter desembarcado logo ali, mas sentira uma necessidade muito grande de a ver ao longe. Tinha vastos campos que agora dourados ao fim da tarde pareciam mesmo ter roubado a luz do sol. Passei por eles agora concentrado no meu dever que era chegar antes que a noite assombra-se as ruas. Não sabia se durante todo aquele tempo eles esperavam a minha pessoa ou uma carta… Estava abafado e ao passar pelas calçadas brancas que se encontravam junto á estação uma sonolência e silêncio apoderava-se daqueles que por ali andavam deixando até que ao longe se ouvissem os ponteiros do relógio que sempre certos diziam o tempo que é a única grandeza dos homens apressados. O polícia que andava pelas ruas cumprimentava as senhoras que agora iam fechando os mercados e arrumando as tendas para que quando o sol despontasse de novo começassem a gritar os incríveis preços aos que a população há muito estava habituada. Continuei a andar. As laranjeiras plantadas nos caminhos emanavam um cheiro calmo e tudo parecia tranquilo sem ninguém se ter apercebido do meu retorno. Não os culpei. No tempo em que estive ausente não me importara com aparências. O meu cabelo crescera cobrindo-me o pescoço, apenas tomara um duche com uma mangueira e as minhas roupas estavam como as de um mendigo, principalmente o sobretudo preto que me cobria. Senti um puxão no ombro e olhei para trás. Vi uma senhora com uma cara rechonchuda e já alguns cabelos brancos que me olhava franzindo a testa com os óculos pendurados.

- É o menino… Oh meu deus… é,… é o menino!- exclamou.

  Sem se importar muito com o meu cheiro, ou barba por fazer, abraçou-me o pescoço com um braço enquanto afagava os meus cabelos, já despenteados, com o outro. Como era baixinha tive que me curvar e pendurar o meu queixo no pescoço dela enquanto ela muito emocionada falava já aos tropeções, á medida que toda a sua lógica se perdia. Eu apenas olhava para o chão onde se encontrava o cesto com as compras tombado, talvez tão confuso como eu.

- Mas, não disse nada… Olhe-me para esta vestimenta! Não nos avisou… Depressa temos que voltar a casa. Toda a gente tem estado preocupada. Tem que tomar um banho… olhe-me este cabelo todo! Como está magro meu Deus. Ai se o senhor o visse nesse estado, nem sei como ficaria…

Agarrou-me a mão e arrastou-me até casa. Sentia-me como um rapaz a ser levado depois de ter feito uma asneira qualquer e ter ficado sujo. Não deixava de ser uma situação engraçada… Aquela senhora era a Madame Luísa. Reconhecera-a pela voz terna e preocupada que ela muitas vezes me dirigia. Também o modo atrapalhado com que ficava ao ver-me magoado me era familiar. Era a governanta da casa para onde me levava e para a qual há poucos momentos eu me dirigia silencioso e preocupado. Talvez se fosse alguém a levar-me, a mostrar-me aonde eu pertencia, tudo ficasse mais fácil. Fora ela que me criara como mãe quando fui trazido para aquela mansão com seis anos. Sempre fora carinhosa e preocupada apesar de ser contra a política de fechar uma criança em casa, sem que nunca apreciá se as ruas da vila e brincasse com os outros rapazinhos. Infelizmente para ela nunca me dei bem com a maioria dos rapazes da minha idade e quando saía ou era para ir às compras com a Madame, dar passeios com o senhor ou sentar-me ao pé das laranjeiras a ler. Começámos a subir a encosta aonde as casas desapareciam para dar origem a um jardim alguns metros à frente. Quando se entrava, ao olhar para as rosas de todas as cores, e os repuxos de mármore,... sabia-se que se tinha entrado na casa do homem mais rico, não só da Vila mas talvez da cidade.

Tátá