segunda-feira, 13 de maio de 2013

Eu Voei!

Deixo-vos hoje um texto para pensarem e sentirem. Como já faz muito tempo que aqui não venho, espero que apreciem com toda a vossa alma e analisem com as vossas mentes as linhas que escrevo até se encontrarem sediados, e mais uma vez, prontos para a vida!


Eu Voei!

Hoje quando acordei decidi que iria contar esta história. Talvez por que hoje acordei a espreguiçar-me e a dizer para as paredes Bom dia… Não. Deve ser por algo diferente. Eu acordo sempre assim... De qualquer modo, apeteceu-me contar esta história, e deixem-me dizer-vos que esta é das poucas, que eu não consigo analisar sem me vir de imediato um sentimento agradável de nostalgia e comoção. Não fiquem a pensar que é uma daquelas histórias de primeiro amor ou algo assim. Para mim esta é muito mais profunda do que qualquer outra que eu tenha guardado na alma. Portanto, e como, por estranho que pareça, não tenho a certeza se é imaginada ou real, por que a realidade destas pequenas coisas é tão e demasiado efémera para caber num coração que esteja alargado pelo sonho, que nem sempre se consegue distinguir estes dois mundos onde por vezes as nossas crenças ficam repartidas. Era quando eu tinha cinco anos (mas não tenho a certeza, pois mesmo hoje me é difícil dizer a minha idade) e estava a desenhar no corredor da entrada do apartamento dos meus pais. Era uma casa bastante simples; uma sala, uma cozinha, uma casa de banho e dois quartos. O corredor vinha desde a porta principal onde de seguida se dividia em dois formando um par de ângulos retos perpendiculares. Uma extremidade dava logo para o quarto dos meus pais, enquanto que a outra abria caminho para as restantes divisões. Eu estava sentada mesmo em frente à porta do meu quarto que era paralelo ao dos meus pais. Não é para me gabar, mas desde pequena que eu sabia que os meus rabiscos eram os melhores da turma, talvez de todo o infantário. E era por isso que eu gostava de desenhar cada vez mais, pois mesmo que fosse a fingir, a minha mãe dizia-me sempre que eu era a melhor artista que ela alguma vez vira e o meu pai brincava comigo aos críticos sempre apontando defeitos imaginários nos meus desenhos já por si abstratos. Por isso eu encontrava-me ali a disfrutar dos meus lápis novos no meu caderno de folhas improvisado. Mas depois não sei o que se passou, pois a memória que é uma nuvem de fumo na qual se projetam as imagens, parece transformar-se numa neblina que apesar de bonita e calma me deixa inquieta e lamentada, ao mesmo tempo que observo os borrões de cores que ela deixa passar pura e simplesmente sem se manter forte o suficiente para que o saber se solidifique. Apenas me lembro de que estava levantada e a rir, a rir com aquele ar de traquina que é o melhor riso que uma criança, que parte em descoberta ao mundo pode ter! E então… sempre muito devagarinho… e com aquele sorriso nos lábios… levantei um pé. Mas levantei-o bem alto até que este ficasse ao nível do meu joelho, embora que para isso tivesse que dobrar a perna. Mas então estiquei os braços para a frente, e surpreendentemente, não caí. Sentia-me bem como se o ar fosse água e por isso atrevi-me a ir mais longe! Sempre muito devagarinho… e com aquele sorriso nos lábios… levantei o outro pé. Mas levantei-o com um pequeno salto e lancei logo a perna para trás pois eu sabia que se apenas o levanta-se me estatelaria logo no chão! Fiz um pequeno movimento com os braços e as pernas em direção ao teto. Eu conseguia voar, voar a sério como as princesas ou as bruxas dos livros que a mamã lia! E então comecei a dar voltas ao corredor, pois apercebi-me que se ficasse parada depressa cairia. Ria-me, ria-me muito com aquele sorriso traquina, pois se o não sabia, pensava que era a primeira pessoa a saber voar.
Voei durante semanas, meses ou anos. Nunca me lembrava da dizer à minha mãe ou ao meu pai que voava. Nunca me parecera necessário. Acho que ainda o tentei dizer uma ou outra vez mas não me lembro, nem das palavras que usei, nem das respostas dos meus pais. Apenas me lembro de voar, com uma sensação de liberdade que me percorria o corpo pequenino e arredondado. Lembro-me das paredes do corredor lá em cima ao pé do tecto, onde eu colocava as minhas mãos e os meu dedos para me ajudarem a dar a curva. E então sempre a balançar-me para não cair, eu ia voando às voltas pelo corredor do apartamento. Nunca tive medo naquele tempo em que eu sabia que podia voar, e por isso tentava começar o meu voo de todas as maneiras de que me lembrava. Como era pequenina e desprovida de imaginação apenas me ocorreram duas: A maneira com que voara pela primeira vez a qual sempre acompanhada com a sensação de que o ar se transformava em ondas deleitosas por debaixo da minha barriga; e a saltar com os pés para a parede. O meu impulso chegava a ser tão alto que eu batia com a palma dos pés na obreira da porta! E eu a uma dada altura já não sabia se voava de vez em quando ou se passava o tempo todo a dar voltas ao tecto do corredor. O tempo fora-se confundido, mais e mais, transformando-se num deserto onde ninguém é capaz de dizer qual foi a areia que apareceu primeiro trazida pelo vento do destino. E então um dia eu descobri que já não me lembrava de como voar.
Não vos posso assegurar ser isto é o que vos quero contar, mas penso que antes de me deparar com este facto triste, que ainda hoje eu lamento e tento contornar, eu finalmente conseguira contar à minha mãe que voara. Dissera-o no passado e a propósito de outra conversa, enquanto ela lavava os pratos: “Mãe eu voei sabias? Ali no corredor. É incrível! Tu voas?” A minha mãe continuou a lavar os pratos: “Não devias estar só a sonhar querida?” Eu teimei: “Não, tenho a certeza de que voei, foi ali mesmo, ali ao fundo do corredor.” A sensação que eu tinha ao mesmo tempo que a tentava convencer até que ela concordasse, com uma cara de quem tinha que ter paciência para crianças,... nunca a esquecerei. Sentia-me algemada, triste e desesperada. Queria poder ter voado para lhe mostrar, mas uma sensação dormente e estranha tal qual a preguiça não me deixou. Parecia não me poder lembrar de que  podia efetivamente fazê-lo. Sentia um vazio doloroso no peito que eu, na minha pequena e curiosa idade, não parecia poder explicar. E então, no dia seguinte, fui para o corredor e tentei levantar uma perna e esticar os braços para a frente. Não senti aquele sensação envolvente no meu corpo… não me atrevi a levantar a outra perna. Era escusado, pois fora medo e não felicidade ou esperança que eu sentira, quando a ponto de levantar, com um salto, o outro pé.
Nunca mais voei, e se o fiz, deve ter sido apenas uma vaga sensação imitada do que o que experimentei na minha infância. Confesso-vos que esta História, decidi sobretudo contá-la para mim e para os pequenos personagens que vivem ao meu redor e que de vez em quando vislumbro apenas um borrão da sua correria pelo mundo. Queria que ambos pudessem explicar à pequena criança confusa e talvez à minha parte que deseja ainda hoje voar, o porquê de não o conseguirmos. No entanto à mediada que escrevia o meu coração encontrou a resposta. Mas esta perdi-a no meio da correção gramatical das minhas memórias, se bem que espero um dia poder voltar a encontra-la. Quem sabe a menina pequenina apareça nos meus sonhos livre para sempre dela,... e a voar.